A América Latina dará origem a uma fragmentação com formas políticas quase todas precárias. Os conflitos locais, potencializados pelas fragilidades institucionais herdadas de Espanha, não estabeleceram condições para a pronta constituição dos Estados Nacionais hispano-americanos. Em alguns casos, houve desorganização e longas disputas intercaudilhos. Foi demorada e marcada por retrocessos a formação do arcabouço dos Estados; diversas disputas fronteiriças se desdobraram em guerras entre essas nações em formação. O Novo Mundo fornece ao observador uma variedade de nacionalismos e especificidades nacionais cuja trajetória repele generalizações.
A formação da nação brasileira tem um curso político radicalmente distinto das hispano-americanas. Igualmente, deriva de circunstâncias engendradas pela onda revolucionária européia, porém é uma réplica lusitana inteiramente divorciada da retórica iluminista e da ideologia republicana. O império nacional brasileiro não permite a fragmentação da América lusa. Não incorpora o conteúdo, quer da industrialização, quer da modelização institucional, daquelas duas revoluções. O ideal republicano não prospera em meio século e somente se explicita com o Manifesto Republicano de 1871. O Brasil independente preserva e revigora o instituto da escravidão e instala uma monarquia encabeçada pelo herdeiro da Coroa lusitana.
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O nacionalismo brasileiro geopolítico se desenvolveu sem fanfarras nem arrogância. A mais freqüente e óbvia matriz de nacionalismo surge quando, sendo necessário para o Estado Nacional defender território e povo, é alavancado o temor, ou seja, o nacionalismo surge como escudo, alimenta a sensação de pertinência a um corpo especial, para o popular ameaçado em seus direitos. Isso dá origem a uma cronificação de sentimentos hostis e de rejeição. Isso jamais aconteceu com o Brasil, que se constituiu sem medos ou idiossincrasias. Praticamos uma variante de nacionalismo sem inimigos; que tende a desenvolver lentamente o apego a um território e decantar o orgulho com as características da cultura e qualidades de seu povo.
A utopia européia da paz civilizada e civilizatória, inscrita pela Revolução Francesa, foi persistentemente violada por razões de Estado. Todavia, para a construção da identidade brasileira, não tendo havido inimigo, foi possível à cultura política brasileira renunciar desde sempre à xenofobia. O nacionalismo como ideologia, no Brasil, incorporou a virtude de ser pacífico e bom vizinho. Foi fácil creditar essa virtude ao brasileiro.
A elite imperial sempre declamou a estabilidade política do Brasil em contraste com a difícil trajetória das protonações hispano-americanas, povoadas por caudilhos e sangrentos episódios internos. A Guerra da Secessão da América anglo-saxônica foi lida da mesma maneira.
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O escravagismo, uma forma colonial, fornece a base social e preside a dinâmica da economia cafeeira. A manutenção intacta do patrimônio das oligarquias fundamenta a montagem do café e a ocupação territorial da província fluminense. Foi a partir do Rio de Janeiro, como pólo urbano, e da soldagem com o sistema mercantil que o café, em rápida expansão, integra significativamente o Brasil à divisão de trabalho mundial. Esse sucesso permite à elite política imperial anular a tendência centrífuga-separatista e consolidar a unidade territorial, em contraste com a fragmentação hispano-americana. É necessário sublinhar que o café foi um produto inexpressivo no comércio mercantilista colonial; seu mercado foi construído após a Revolução Industrial e a partir da produção cafeeira do Império brasileiro; não foi o resultado de práticas liberais ou liberalizantes.
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